As Novas Tecnologias e os Jovens em A.A.

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Por Carlos Eduardo Fraga - Filósofo, psicanalista, doutor em Psicologia e Amigo de A.A..
 

 

Há mais de cinqüenta anos, Bill W. disse: “Nada é mais importante para o futuro bem estar de A.A. do que a maneira pela qual utilizaremos o colosso dos modernos meios de comunicação.” Esta frase mostra a grande visão do co-fundador e, também, os princípios que norteariam o crescimento vertiginoso da irmandade.

Desde que surgiram as reuniões online na irmandade, houve uma discussão se teriam a mesma eficácia que as reuniões presenciais e certa resistência de alguns em aceitá-las. Porém, é preciso lembrar que, em seus primórdios, A.A. se utilizou de meios não-presenciais para transmissão de sua mensagem. Utilizou-se dos meios de comunicação disponíveis na época: cartas, envio de livros, matérias em jornais, revistas, etc. No início, as recuperações se davam de forma não-presencial, pois não havia sequer grupos na maioria dos estados americanos. Ou seja, a história já mostrou que a mensagem pode ser transmitida à distância, de forma não-presencial.

O mundo mudou muito nas últimas décadas. Cada vez mais as interações sociais se dão através de meios digitais. As novas gerações passam grande parte de seu dia imersos nesse novo universo. Uma nova maneira de viver surgiu. A vida psicológica e afetiva também migrou para esses novos espaços. A maioria dos jovens se sente adaptada ao mundo virtual como peixes à água.

No mundo virtual se trabalha, conversa, namora... Estes meios hoje estão investidos dos afetos humanos. Por isso, se torna possível o manejo de psicoterapias virtuais e, também, é possível reuniões online de A.A. com grande troca afetiva e eficácia, principalmente entre os mais jovens.

De acordo com o capítulo V do livro Alcoólicos Anônimos, o grande problema do alcoólico é o egocentrismo: se sentir o centro do mundo e tentar controlá-lo. A solução proposta é vir acreditar em um poder superior, fazer uma reversão psicológica e colocar o centro em um P.S. que está além do controle egóico. Em A.A., isso é feito, principalmente, a partir da ideia de serviço, da mútua-ajuda. É preciso se entender que se faz parte de um sistema maior que não se pode mudar, apenas se pode prestar um serviço.

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A.A., também, como irmandade não tenta mudar diretamente o mundo. Apenas presta o serviço de transmitir sua mensagem mudando apenas a vida daqueles que tem o desejo dessa mudança. A.A. não vai “além de suas chinelas”. Portanto, aceita o mundo como ele é, sem julgá-lo ou tentar reformá-lo. Esse foi o erro apontado por Bill W. em movimentos anteriores como os washingtonianos ou mesmo os grupos Oxford.

A.A. não é seita nem religião, não tenta impor dogmas ou qualquer ideologia ao mundo, não tenta reformar a sociedade. Sua lógica de serviço sabe que não tem o poder de mudar ou controlar o mundo. Apenas busca transmitir sua mensagem aceitando a realidade como ela se apresenta. Por isso, sempre cresceu de fora para dentro quando se adaptou às mudanças sociais para transmitir sua mensagem. A.A. acompanha às mudanças históricas mantendo sempre como bússola seus princípios atemporais.

Com relação às novas tecnologias, às redes sociais, a essa nova maneira de se viver nas últimas décadas; A.A. não tem julgamento a fazer. Como sempre, o que pode fazer é aceitar essa mudança que parece irreversível e se adaptar para transmitir sua mensagem sem sair de seus princípios.

Um fenômeno que se percebe, especialmente no Brasil, é a alta faixa etária dos membros. Isso indica uma falta de renovação que coloca em risco o próprio futuro da irmandade. Com o advento das reuniões online, ocorreu claramente um maior afluxo de jovens à irmandade. Eles estão no seu meio e se sentem mais à vontade para procurar ajuda. Ali também podem garantir maior anonimato e, no tempo deles, vão se integrando aos grupos. As novas gerações se sentirão cada vez mais integradas a essas novas tecnologias. A.A. se quer prestar serviço a elas também, não pode se negar a usar “o colosso da comunicação moderna.” Isso parece fundamental para renovação da irmandade, para ligá-la às novas gerações. A.A., para transmitir sua mensagem aos jovens, precisa ir onde eles estão.   

As novas tecnologias são um fato que não há como mudar. A.A. não julga o mundo, o aceita e tenta transmitir sua mensagem. Bill W., com sua grande visão, previu esse fato. Resta agora aos líderes atuais de A.A. se mirarem em seu exemplo. Pois, como indica o nono conceito, o bom líder é aquele que, com sua visão, tenta aplicar os princípios que são atemporais às mudanças históricas